Em uma vitória da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, e sob críticas da oposição, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (5) o projeto de lei (PL) que autoriza a privatização dos Correios. O texto recebeu 286 votos favoráveis e 173 contrários. Os parlamentares ainda votam dez propostas de mudança na matéria.
Após esse processo, a proposta segue para o Senado Federal e, se aprovada, vai à sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Caso os senadores mudem a redação do projeto, nova votação será feita na Câmara. Com o aval do Congresso, o governo planeja fazer o leilão da estatal no primeiro semestre de 2022.
Para justificar a privatização da estatal, que tem mais de 90 mil empregados, o governo afirma que há uma incerteza quanto à autossuficiência e capacidade de investimentos futuros por parte dos Correios. Na avaliação do Executivo, isso reforça a necessidade da privatização para evitar que os cofres públicos sejam responsáveis por investimentos da ordem de R$ 2 bilhões ao ano.
Conforme mostrou o UOL, os Correios têm histórico de lucros. Nos últimos 20 anos, geraram ganhos de R$ 12,4 bilhões e repassaram 73% desse valor ao seu único acionista, o governo federal.
Para críticos da privatização, os números reforçam que vender a empresa é um erro. A Adcap (Associação dos Profissionais dos Correios) argumenta que, além de a estatal ser lucrativa, ela está se valorizando e têm estrutura para atuar em todo o Brasil. Para Marcos Cesar Silva, vice-presidente da entidade, a venda da estatal atende somente a interesses de pessoas que pretendem se apropriar de uma empresa lucrativa.
Parecer do relator em linha com o governo
No parecer aprovado, o relator, deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), afirmou que o setor postal vem passando por transformações significativas, principalmente pela digitalização das comunicações e as transações comerciais online. O deputado apontou que o cenário gera uma competição com o negócio dos Correios mantido em monopólio, que são as cartas, cartão postal e telegrama.
“Não é à toa que este processo de crescente acesso à internet e de ascensão das redes sociais tem gerado queda acelerada no volume postal —de aproximadamente um bilhão de objetos por ano no Brasil, conforme dados que constam dos estudos da consultoria contratada pelo BNDES sobre o sistema postal”, disse Cutrim. Para o deputado, é evidente que a União não tem como suprir a demanda de investimentos na estatal, “razão pela qual a desestatização da ECT é urgente e deve ser priorizada”.
O relator excluiu a possibilidade de transformar os Correios em sociedade de economia mista (na qual a União venderia parte das ações, mas continuaria como sócia majoritária). Justificou a decisão com base em estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o qual conclui que essa solução traria dificuldade de atrair o investimento necessário para a automação e digitalização da companhia.
Entrega de cartas será concessão com preço regulado
No formato de privatização escolhido pelo governo, a estatal será vendida, e os serviços postais, que hoje são monopólio da União, serão prestados pela nova empresa privada em formato de concessão.
Por isso, o serviço postal precisará ser regulado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), uma vez que o regime continuará público.
O texto também apresenta o modelo de reajuste das tarifas do serviço postal universal que será anual, com reajuste baseado na variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) a inflação oficial, medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O setor de encomendas, que hoje já tem concorrentes no mercado, como Mercado Livre, por exemplo, funcionará em regime privado, com liberdade econômica e de preços, como regra.
Monopólio da entrega de cartas por 5 anos
O texto aprovado pela Câmara trouxe a possibilidade de um prazo maior de exclusividade na operação de serviços postais pela empresa que comprar os Correios. Cutrim prevê que esse monopólio terá duração mínima de cinco anos, contados da data de publicação da lei. O contrato de concessão dos serviços, por sua vez, poderá estipular um prazo superior.
A exclusividade se refere às atividades relacionadas a carta, cartão postal, correspondência agrupada e serviço público de telegrama.
Serviço universal e venda da empresa toda
O texto define que a venda será da estatal como um todo, sem dividi-la em empresas por regiões. Segundo o relator, a manutenção da operação unificada da empresa ajuda na “preservação das sinergias entre os negócios” e “preservação das vantagens competitivas”.
A empresa que comprar os Correios precisará manter o serviço postal universalizado —ou seja, atender toda população, incluindo regiões menos atrativas.
O texto também veda o fechamento das agências essenciais para a prestação do serviço postal universal em áreas remotas do país, o que será detalhado no contrato de concessão.
Essas obrigações, por sua vez, poderão ser suavizadas no futuro. Isso porque a proposta prevê que, a cada cinco anos, essas regras poderão ser revisadas, com base em relatório da Anatel.
Sem demissão por 18 meses e com PDV
O texto prevê que a empresa privatizada terá o nome de Correios do Brasil e será proibida de demitir funcionários sem justa causa nos 18 meses após o processo de compra.
A proposta também determina que a empresa ofereça um Plano de Demissão Voluntária (PDV) aos empregados, com período de adesão de 180 dias contados da venda. Os funcionários que decidirem sair da empresa teriam indenização correspondente a 12 meses de remuneração, além de manutenção do plano de saúde também pelo período de um ano.
‘Tarifa social’ para usuários de baixa renda
As tarifas poderão variar de região para região, com base no custo do serviço, na renda dos usuários e nos indicadores sociais.
O parecer cria uma “tarifa social” para atendimento dos usuários que não tenham condições econômicas de pagar pelo serviço.
“Afinal, em se constituindo em uma política social que busca atender a todos que demandarem, ‘independente de sua localização e condição socioeconômica’, conforme caracterizamos o ‘serviço universal’, é fundamental considerar que há um conjunto de indivíduos vivendo em condições de pobreza que devem contar com uma precificação diferenciada dos outros”, escreve o relator.
Relator é contra uso de dinheiro público para cobrir custos
O relator se opôs à concessão na modalidade patrocinada, como previa o governo. Na concessão patrocinada, o Tesouro faria aportes para viabilizar a operação onde as tarifas de serviços não são suficientes para cobrir os custos.
“Se o pressuposto básico da desestatização que ora se discute é não onerar o Tesouro Nacional, seria incoerente manter-se no projeto a possibilidade de uso da concessão patrocinada”.
Privatização está em análise no STF
A privatização dos Correios é objeto de uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal), sob responsabilidade da ministra Cármen Lúcia. A ção foi movida pela Adcap, A Procuradoria-Geral da República (PGR) já se manifestou contra a privatização do serviço postal e dos correios aéreos.
O governo do presidente Jair Bolsonaro trata a privatização dos Correios como uma das suas pautas positivas de sinalização para a manutenção da agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes.