Número de assassinatos cai 1% no Brasil em 2022

O total de mortes violentas ainda é elevado, mas representa um alento

O número de assassinatos caiu 1% no Brasil em 2022. Foram 40,8 mil mortes violentas em todo o país — média de mais de 110 vítimas por dia. É o que mostra o índice nacional de homicídios criado pelo g1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

O total de mortes violentas ainda é elevado, mas representa um alento: o Brasil atingiu o menor número da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que coleta os dados desde 2007, e do Monitor da Violência, que coleta desde 2018. É o segundo ano seguido que isso acontece: em 2021, foram 41,2 mil mortes.

Os dados, no entanto, acendem um alerta: a tendência de queda de violência no país, iniciada em 2018, pode estar chegando ao fim, avisam especialistas.

Veja os principais destaques do levantamento:

Segundo os especialistas, diversos fatores estão por trás dos indicadores de violência em queda nos últimos anos: políticas públicas estaduais, mudança nas dinâmicas dos grupos criminosos, mais recursos disponíveis para o setor da segurança pública, entre outros.

Este levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do g1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Queda histórica e seus motivos
O número de assassinatos no Brasil em 2022 é o menor se for levada em conta a série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, iniciada em 2007, e os levantamentos realizados pelo Monitor da Violência desde 2018.

O patamar impressiona porque, até 2011, o Fórum contabilizava as ocorrências (em que é possível ter mais de uma vítima). Já os dados coletados desde 2012 pelo Fórum e desde 2018 pelo g1 se referem a números de vítimas. Mesmo assim, os números dos últimos anos são os menores da série histórica.

Os especialistas do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública elencam alguns pontos para explicar a queda dos indicadores nos últimos anos:

Mudança na dinâmica do mercado de drogas brasileiro: “Hoje temos um mercado de drogas mais eficiente, menos truculento e menos custoso, o que amplia o poder econômico e o poder político desses grupos”, diz Bruno Paes Manso, do NEV-USP.

Criação de programas de focalização e outras políticas públicas: “Várias unidades da federação adotaram, ao longo dos anos 2000 e 2010, programas de redução de homicídios pautados na focalização de ações nos territórios. O Pacto Pela Vida, em Pernambuco, o Estado Presente, no Espírito Santo, e o Ceará Pacífico, no Ceará, são exemplos de projetos que buscaram integrar ações policiais e medidas de caráter preventivo”, afirmam Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, do FBSP.

Os especialistas também citam outras políticas públicas que estão sendo desenvolvidas pelas unidades da federação, focadas na integração das forças policiais com o fortalecimento dos mecanismos de inteligência e investigação.

Redução do número de jovens na população: “Tem a ver com as mudanças demográficas, algo que a gente já vem apontando há alguns anos no Atlas da Violência, que é a redução do número de jovens na populacão. É sabido que a maior parte da violência letal atinge jovens do sexo masculino. E o Brasil está diante de uma grande mudança demográfica”, afirma Samira Bueno, do FBSP.

Criação do SUSP e mudanças nas regras de repasses: “Em 2018, o governo federal conseguiu aprovar, depois de tramitar por 14 anos, a lei que criou o Sistema Único de Segurança Pública, responsável por regulamentar a Constituição de 1988 no que diz respeito à integração e eficiências das instituições de segurança pública. Ainda em 2018, (…) houve uma mudança nas regras de repasse de recursos arrecadados pelas Loterias da Caixa que, na prática, fez com que cerca de 80% de todo o dinheiro da segurança repassado para estados e Distrito Federal de 2019 a 2021 tenha as loterias como origem e, com isso, novos recursos puderam ser destinados à área”, dizem Samira e Renato.

Bruno Paes Manso destaca que, desde 2018, houve uma redução de mais de 18 mil casos de mortes no país por ano. “Isso incluindo quatro anos do governo Bolsonaro, onde mais de 1 milhão de armas entraram em circulação. É uma grande incógnita que a gente precisa lidar”, diz.

“O governo [Bolsonaro] argumentava que, com mais armas em circulação, as pessoas ficam com mais receio de assaltarem os outros. Por isso, as mortes diminuem. Isso é um equívoco, uma fala fora da realidade porque, do total de mortes, menos de 5% são decorrentes de assaltos. O que acontece é que, com mais armas em circulação, como mostram diversos estudos, aumentam homicídios circunstanciais, em brigas de trânsito, em brigas de bar. Aumentam também os suicídios e a violência doméstica.”

Ele ainda destaca que houve um crescimento de homicídios políticos — ou seja, motivadas por questões e opiniões políticas. Mesmo com estes fatores, as mortes de forma geral conseguiram cair motivadas pelos pontos citados acima, como mudanças no cenário criminal e políticas públicas estaduais, defendem os especialistas.

E o que vem pela frente?
Mesmo com a queda dos últimos anos, há pontos de atenção. A oscilação de 1% em 2022 é um deles. Inclusive, este índice foi puxado para cima por conta do final do ano, que representou uma mudança de direção nos indicadores de violência.

“Uma informação preocupante é o crescimento no quarto trimestre de 2022 em relação ao mesmo período de 2021 de 6,5%. Ou seja, o que antes vinha como uma queda muito acentuada e marcada, agora, no último trimestre do ano, se transformou em uma subida”, diz Renato Sérgio de Lima, do FBSP.

Renato destaca que a alta é puxada por estados da região Sudeste — e não de regiões historicamente mais violentas, como Norte ou Nordeste. “Mostra que alguma coisa desandou em estados que tinham bons indicadores para mostrar”, aponta o pesquisador.

Renato e Samira Bueno, do FBSP, ainda afirmam que os pontos de atenção não estão apenas nos números, mas também no cenário político dos últimos anos.

“A política [de Jair Bolsonaro] na área relegou as polícias estaduais a meras coadjuvantes e ficou concentrada na liberação irresponsável e irrestrita de armas de fogo e munições; no incentivo à radicalização ideológica de integrantes das forças de segurança, sobretudo as militares; e na divulgação de grandes operações de apreensão de drogas pela PRF e pela PF”, dizem.

“Se esse cenário for mantido, o governo Lula corre o sério risco de encerrar seu primeiro ano à frente do país com crescimento da violência letal e, na guerra de narrativas, é preciso que reformas substantivas sejam levadas a cabo ao mesmo tempo que a inapetência e a inexistência de políticas nacionais da gestão passada sejam explicitadas.”

Alertas regionais: disputas entre facções
Em termos regionais, também há pontos de atenção, já que aproximadamente metade dos estados brasileiros teve aumento na violência no ano passado – 14 das 27 unidades da federação.

Em dois casos mais dramáticos, do Mato Grosso e do Acre, disputas entre facções estão por trás da escalada de violência — o que mostra que a situação não está mais tão pacificada, já que disputas territoriais seguem causando mortes em locais específicos do país, apesar do processo de profissionalização passado pelas facções nos últimos anos.

O Mato Grosso teve um aumento de 24% nos registros de assassinatos entre 2021 e 2022. Foram quase 200 mortes a mais de um ano para o outro. O estado, inclusive, acabou puxando a alta de 4,5% da região Centro-Oeste.

Em julho, por exemplo, a cidade de Sorriso (MT) registrou dez assassinatos em dez dias. Segundo a própria Polícia Civil, as mortes foram motivadas por conta de uma guerra de facções.

Já em agosto, quatro homens foram mortos em Nova Monte Verde (MT) por uma facção criminosa que suspeitava que eles faziam parte de um grupo rival. Jefferson Vale Paulino, de 27 anos; Alan Rodrigues Pereira, 36 anos; João Vitor da Silva, 19 anos, e Caio Paulo da Silva, 31 anos, foram encontrados mortos próximos a uma rodovia.

Contatada, a Secretaria de Estado de Segurança Pública de MT não respondeu ao questionamento do g1 sobre a alta de mortes no estado.

O Acre também foi um destaque negativo, com 19% de alta. O governo afirma que a principal causa por trás do aumento de mortes também foi o acirramento de confrontos armados entre facções criminosas, que acaba gerando mortes por execução nas disputas de território. Em 2022, por exemplo, dos mais de 190 homicídios dolosos registrados, mais de 80 foram execuções.

Em novembro, após a escalada da violência, o secretário de Segurança e Justiça do Acre, coronel Paulo Cézar, afirmou que as ordens dos confrontos partem de presídios do estado e, também, do país vizinho, Bolívia. “Há um movimento envolvendo lideranças criminosas, crime organizado, principalmente narcotráfico”, afirmou.

Para tentar conter a escalada, o governo diz que trabalha na padronização do sistema prisional, além de ter criado um grupo especial para policiar áreas de fronteira e ter adquirido equipamentos novos para as forças de segurança.

Tendência muda em São Paulo e Minas
Os dados mostram uma reversão da tendência de queda das mortes em Minas Gerais e São Paulo, que vinham tendo reduções sucessivas das mortes violentas nos últimos anos.

O caso paulista é ainda mais emblemático, pois o estado registrou duas décadas praticamente ininterruptas de queda nos assassinatos, deixando de ser um dos mais violentos para ter a menor taxa de homicídios do país.

Em 2022, São Paulo teve aumento de 7,1% nas mortes violentas em relação ao ano anterior: passaram de 3.096 para 3.316. Foi a quinta maior alta do país. Mesmo assim, o estado manteve a menor taxa de assassinatos, com 7,1 mortos por 100 mil habitantes.

Já em Minas Gerais houve alta de 6,3% nas mortes violentas, que foram de 2.413, em 2021, para 2.564, no ano passado. O estado tem o quarto menor índice de assassinatos do país, com 12 mortes por 100 mil habitantes.

Amapá: sem disputa, mortes caem
Em 2021, o Amapá passou por uma situação semelhante ao Acre. O estado fechou aquele ano com alta de 19% nos assassinatos por conta de intensas disputas entre facções criminosas.

Em 2022, porém, a situação se pacificou, e o estado fechou o ano com uma significativa queda de 28,5% – a maior queda do Brasil, inclusive.

Ao g1 AC, o Delegado-Geral Uberlândio Gomes afirmou que a realização de uma operação voltada para combater crimes em áreas de tráfico de drogas dominadas por organização criminosas, chamada de Operação Asfixia, foi importante para a redução de crimes no estado.

“Destaca-se a ‘Asfixia’, que iniciou no dia 10 de março e teve sua última fase realizada no dia 28 de dezembro, na qual a Polícia Civil teve com duas frentes de atuação: o cumprimento de mandados de prisão e incursões em diversos bairros com o objetivo de aumentar o enfrentamento à criminalidade organizada, aos crimes violentos e ao tráfico de drogas”, pontuou.

Veja abaixo o ranking dos estados pela taxa de assassinatos a cada 100 mil habitantes:

1 – Pernambuco: 35,3 (mortes a cada 100 mil habitantes)
2 – Bahia: 34,2
3 – Alagoas: 33,5
4 – Amazonas: 33,5
5 – Ceará: 32,2
6 – Rio Grande do Norte: 30,9
7 – Rondônia: 28,5
8 – Roraima: 28
9 – Tocantins: 27,2
10 – Mato Grosso: 27
11 – Paraíba: 26,9
12 – Pará: 25,9
13 – Amapá: 25,8
14 – Espírito Santo: 25,6
15 – Sergipe: 25,4
16 – Piauí: 24,9
17 – Maranhão: 24,8
18 – Acre: 23,8
19 – Mato Grosso do Sul: 18
20 – Rio de Janeiro: 18
21 – Paraná: 17,7
22 – Goiás: 17,1
23 – Rio Grande do Sul: 15,3
24 – Minas Gerais: 12
25 – Distrito Federal: 9,7
26 – Santa Catarina: 8,7
27 – São Paulo: 7,1

Índice nacional de homicídios
A ferramenta criada pelo g1 permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país. Estão contabilizadas as vítimas de homicídios dolosos (incluindo os feminicídios), latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.

Jornalistas do g1 espalhados pelo país solicitam os dados, via assessoria de imprensa e via Lei de Acesso à Informação, seguindo o padrão metodológico utilizado pelo fórum no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Por Clara Velasco*, g1

Sair da versão mobile