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195 anos da sanfona: autodidata revela relação com o instrumento

Kelvin Diniz Gomes da Silva, conhecido artisticamente por Kelvin Diniz, é um baiano da cidade de Capim Grosso – mas musicalmente formado em Serra Talhada

Inspirado por grandes mestres, sanfoneiro “toca sem pensar”, dá aulas e mantém legado vivo

“Quando ‘oiei’ a terra ardendo, qual fogueira de São João…”. Se você leu cantando ou lembrou desse trecho, com certeza deve gostar da melodia ecoada pela sanfona, que se tornou popular no Brasil justamente através de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, autor da música “Asa Branca”, um dos seus grandes sucessos. O instrumento, também chamado de acordeon, chega aos seus 195 anos, pois foi inventado pelo alemão Christian Buschmann, em 1829, e chegou em terras brasileiras pelos imigrantes alemães e italianos, por volta de 1836. É possível ver a sanfona no forró nordestino, na cultura gaúcha e também na música sertaneja, por exemplo. Um som que encanta, contagia e faz um convite para não ficar parado.

Além de Gonzagão, o fole já fez parte da história de grandes nomes como Dominguinhos e Sivuca, e inspirou artistas que hoje tornam o forró e o uso da sanfona atemporais, indo além do período de São João. Motivado por esses grandes mestres, o sanfoneiro autodidata Kelvin Diniz, natural de Capim Grosso/BA e musicalmente formado em Serra Talhada/PE, traz o legado do forró tradicional para os dias atuais e carrega grandes memórias com a sanfona. Ele conta um pouco sobre seu primeiro contato e o início dessa trajetória na música.

“Entre os 12 e 13 anos, eu comecei a tocar teclado junto com uns amigos que moravam na mesma rua (Felipe e Falkner). Dessas ‘brincadeiras de tocar’ eu pedi a meu pai pra comprar um teclado pra mim e assim comecei a realmente estudar música. Até que em um trabalho de escola Irmã Elizabeth, em Serra Talhada, solicitado pela Profª Dona Irene para fazer uma paródia, eu, que não gostava de cantar, dei a ideia de formar uma bandinha já que eu tinha um teclado e Marcos Gama tinha uma sanfona. Assim fizemos o trabalho, e como todo menino é curioso, emprestei meu teclado pra Marquinhos e fiquei com a sanfona dele emprestada por uns dias, até que um vizinho nosso (Romildo Lopes), amigo de farra do meu pai, me viu com essa sanfoninha e perguntou se eu sabia tocar mesmo. Toquei logo a ‘Blusa Amarela’, de Amado Edilson, que era uma das que ele mais gostava, e o resultado foi que ele me deu uma sanfona, também pequena, que o pai dele tinha dado há muitos anos e ele não aprendeu. E assim a sanfona veio parar em minhas mãos, para começarmos uma história juntos”, conta.

A Sanfona para Kelvin tem um sabor especial. Também professor, ele revela o significado desse instrumento para sua vida pessoal e profissional. “Pessoalmente, a sanfona foi um divisor de águas em minha vida. Se não fosse ela (a sanfona) provavelmente eu não teria acesso a tanta música de qualidade, não levaria o estudo (musical) tão a sério, não teria me tornado profissional chegando a construir um estúdio e me tornar professor, passando essa tradição adiante. Hoje vivo exclusivamente da música. Não que músicos de outros instrumentos não possam fazer o mesmo, mas onde eu estava, na época em que eu estava, com outro instrumento (ou nenhum) em mãos, com certeza o rumo seria outro. A sanfona, como músico,

representa um símbolo de resistência da cultura regional nordestina, que inteligentemente se insere em meios ‘alheios’ mais modernos e discrepantes da sua realidade no Nordeste. Levando seu som até pessoas mais distantes e, com carisma, fazendo elas olharem para o forró de modo geral. Sobre “música de qualidade através da sanfona” me refiro, além do forró, a músicas instrumentais. O universo instrumental da sanfona é riquíssimo de conteúdo útil”.

Mas qual o segredo de um autodidata que se apaixonou pela sanfona e hoje “toca sem pensar”? Kelvin Diniz responde: “Eu comecei como instrumentista, então me desenvolvi muito como sanfoneiro antes de ‘virar cantor’ e isso acaba me diferenciando facilmente de outros músicos que, ainda no início, já se tornam cantores e partem pra mídia (sem tempo de aprimoramento técnico no instrumento). Hoje mesclo as técnicas de terceiro e quarto dedo na baixaria, além de tocar de forma livre fazendo fraseados. Também aderi ao domínio de fole ‘livre’ como Sivuca fazia, gosto de experimentar a sanfona em diversos gêneros musicais como Oswaldinho fez, e mesclo estilos de dezenas de bases do próprio forró que aprendi em todo esse tempo, etc. Sempre muito ensaio do repertório, e as vezes até trechos extras para casos de imprevistos por qualquer motivo. Assim sempre estou pronto para o que vier, até porque fazer um show tocando, cantando, quase dançando, comunicando com o público, e às vezes até resolvendo questões técnicas requer muita atenção/coordenação, então se tiver que pensar em tudo o tempo todo ‘o caba endoida’, para prevenir eu ensaio ao ponto de a sanfona ficar fluida, toco ela sem pensar. Sempre cuidado com a postura, afinal é um instrumento que pesa média de 12kg, e atenção especial com a temperatura das mãos (muito frio faz doer e prejudica a digitação comprometendo performance). Não que eu fique com um termômetro nas mãos (risos), mas se estiver muito frio coloco a mão por baixo da camisa para esquentar de forma revezada até que o show comece”.

“Sem a sanfona o rumo seria outro”

Kelvin Diniz fala sobre a importância do acordeon para a cultura nordestina e brasileira e afirma que forró e sanfona foram feitos um para o outro. “Sem a sanfona, como era antes, o rumo seria outro! A sanfona chegou pra valorizar e rendeu muito. Ela se encaixa em qualquer estilo com facilidade, se o músico for competente, mas o forró é “a cara da sanfona”, parece que foi feito realmente um pro outro. Atualmente no Brasil ela predomina muito bem, também, no sertanejo – além de ter suas participações em hits de diversos gêneros populares como arrocha, pagode/samba e até funk. Mesmo ela vindo da Europa e tendo músicas de um século de tradicionalidade no seu repertório, hoje eu vejo que ela se tornou muito nordestina brasileira. Se você considerar o viés de música popular, o Brasil possui o maior número de acordeonistas famosos por todo o mundo”.

Kelvin segue fazendo shows pelo Brasil e ensinando música em sua cidade natal, passando o legado da sanfona adiante. Sem dúvidas, um som que dificilmente vai sair de moda. Viva a sanfona! Viva a cultura nordestina e brasileira!

Kelvin Diniz

Kelvin Diniz Gomes da Silva, conhecido artisticamente por Kelvin Diniz, é um baiano da cidade de Capim Grosso – mas musicalmente formado em Serra Talhada, no Sertão de Pernambuco, local que lhe presenteou com suas principais referências no forró.

Apaixonado pela música e pelo forró, o baiano já participou de vários eventos em diversos lugares do Brasil – carregando o legado de seus grandes ídolos como base para sua carreira. Assisão, o Rei do Forró; Luiz Gonzaga, o Rei do Baião; Sivuca; Jorge de Altinho e Trio Nordestino são algumas das referências que inspiram o sanfoneiro. Ele lançou recentemente o clipe oficial de “Meu Ex-amor”, xote romântico que desponta com uma das principais faixas de seu repertório e está disponível no Youtube. O sanfoneiro também possui outras músicas importantes como “Abraço fraterno” e “Terminando e voltando”, também disponíveis nas plataformas e sempre presentes nos shows pelo país. Kelvin foi finalista do tradicional Festival Internacional Roland de Acordeon em duas oportunidades e já gravou mais de dez CDs ao lado de grandes nomes como Alcymar Monteiro, Adelmário Coelho, Assisão, Petrúcio Amorim e Irah Caldeira. Em 2023, lançou o show “O Lado Geek do Forró”, com músicas da cultura pop, como filmes, séries, animes e games.

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