Americanas desaba na bolsa após descoberta de rombo de R$ 20 bilhões

A Americanas, que perdeu R$ 8,37 bilhões, valia R$ 10,8 bilhões e agora vale R$ 2,4 bilhões.

As ações da Americanas despencaram quase 80% na bolsa de valores nesta quinta-feira (12), depois que a empresa publicou comunicado em que diz que foram identificadas “inconsistências em lançamentos contábeis” no balanço, em valor que chega a R$ 20 bilhões.

Em outras palavras, a Americanas percebeu que o valor bilionário — que é referente aos primeiros nove meses de 2022 e anos anteriores — não havia sido registrado de forma apropriada nos balanços corporativos da empresa.

As ações da Americanas (AMER3) negociaram em leilão até 13h45 de hoje. O leilão é um “mecanismo de defesa” que interrompe as negociações comuns para tranquilizar momentos de variação bruta de papéis na bolsa.

Depois, as negociações foram suspensas para a divulgação de um novo comunicado oficial da companhia. Este é um procedimento padrão da B3 neste tipo de caso.

Por volta de 14h05, as ações voltaram a ser negociadas, mas foram colocadas em leilão novamente. Ainda assim, ao fim do pregão, a queda exata foi de 77,33%. Segundo Einar Rivero, da TradeMap, essa foi a maior queda diária de uma empresa de capital aberto na bolsa brasileira desde 2008.

O que aconteceu?
O comunicado da Americanas sobre o rombo no balanço foi divulgado na noite de quarta-feira (11). Além disso, o texto informou que o presidente da companhia, Sergio Rial, deixou o cargo apenas 9 dias depois de assumir. O diretor financeiro da empresa, André Covre, também renunciou — ele havia tomado posse junto a Rial.

Os nomes dos dois executivos tinham sido muito bem recebidos pelo mercado. Na época do anúncio, as ações da Americanas chegaram a subir mais de 20%. Apesar de ter deixado a empresa, Rial disse que manter o funcionamento da companhia é “absolutamente viável”.

Como consequência da revelação feita na noite de quarta, os investidores amanheceram em polvorosa. As principais instituições financeiras colocaram as ações da Americanas sob revisão, e a B3, bolsa de valores de São Paulo, colocou os papéis ordinários da empresa em leilão.

O que diz o comunicado da companhia?
O documento divulgado pela companhia não traz muitos detalhes sobre o que de fato foi encontrado nas contas, mas esclarece que a área contábil detectou “a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem (R$ 20 bilhões), nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta de fornecedores nas demonstrações financeiras”.

Para se ter uma ideia, um levantamento de Einar Rivero, da TradeMap, mostra que o volume do rombo de R$ 20 bilhões é equivalente ao valor de mercado da Magazine Luiza, que até o fechamento do pregão desta quarta valia R$ 20,20 bilhões, e da Lojas Renner, de R$ 20,22 bilhões.

Em valor de mercado, a Americanas perdeu R$ 8,37 bilhões só nesta quinta-feira. A empresa valia R$ 10,8 bilhões. Agora, R$ 2,4 bilhões.

O que disse o presidente que renunciou?
Sérgio Rial fez uma conferência na manhã desta quinta para esclarecer alguns pontos. “A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos”, disse.

“A empresa segue vendendo, ela é absolutamente viável. Tem um nível de dívida incompatível para que possa prosseguir, portanto a capitalização tem que ocorrer. E os acionistas de referência permanecem comprometidos com o futuro da companhia”, afirmou.

Qual o impacto na empresa?
A Americanas disse que ainda não é possível determinar todos os impactos do rombo na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da companhia. Em contrapartida, a empresa afirmou estimar que “o efeito caixa dessas inconsistências seja imaterial”.

Assim, o rombo teria apenas um efeito contábil, e não financeiro. Caso fosse financeiro, haveria saída de dinheiro do caixa da companhia.

O que diz o mercado financeiro?
Mesmo com as informações preliminares, as corretoras e casas de análise começam a mudar as recomendações sobre as ações da companhia.

Em um relatório, a Genial Investimentos passou de recomendação de compra para venda e reduziu o preço-alvo de AMER3 de R$ 28,40 para R$ 9,40.

“A primeira impressão é a pior possível, tanto na questão de governança corporativa, quanto na contábil”, diz.

“A companhia realizava operações chamadas de Risco Sacado, onde repassa a responsabilidade do pagamento a fornecedores para instituições financeiras. Isso, por sua vez, reduz a conta de Fornecedores no passivo, que teve seu valor declarado em R$5 bilhões no balanço do terceiro trimestre”, analisa a Genial.

Para a corretora, a empresa deveria redirecionar esse valor na conta de empréstimos e financiamentos, uma vez que as financiadoras e os bancos cobram juros pelo dinheiro emprestado e, por isso, o valor do “rombo” pode ser maior do que o anunciado. “Não sabemos, até o momento, o quanto dos R$ 20 bilhões de fato estão fora do balanço e qual porcentagem desse valor estará sujeita a reclassificação de contas”, pondera.

De acordo com um relatório da XP Investimentos, em equipe liderada pela responsável pela área de Varejo, Daniella Eiger, apesar de o comunicado oficial da empresa dizer que o efeito caixa é imaterial, a falta de detalhes sobre os fatos adiciona muita incerteza aos ativos e ao futuro da companhia.

A XP coloca a recomendação em Americanas sob revisão e enxerga três principais riscos:

1 – Maior alavancagem da companhia, dado que seu endividamento pode aumentar dependendo dos ajustes em seu balanço patrimonial;
2- Maior custo de dívida, por conta da maior percepção de risco de crédito e liquidez;
3 – Deterioração do capital de giro, dado que a companhia poderá ter problemas em manter em dia os pagamentos a fornecedores, por conta de seu ciclo de caixa pior.

Tudo isso, entretanto, ainda pode ser revisto — para melhor ou para pior —, a depender da apuração realizada pela consultoria independente contratada pela Americanas para verificar os fatos, tendo em vista que, até o momento, não há muita clareza sobre o que aconteceu.

Analistas do Itaú BBA compartilham da mesma visão e, assim como a XP e outras instituições, colocaram as ações da Americanas sob revisão até que os fatos sejam esclarecidos.

Para além da insegurança com a notícia sobre o rombo bilionário, o mercado se mostra bastante descontente com a saída de Sérgio Rial, um executivo com boa fama entre investidores e especialistas.

Rial é um banqueiro e economista que já trabalhou com diversas instituições financeiras e foi presidente do Santander Brasil de 2016 a 2022, tendo sido escolhido pessoalmente pela herdeira do banco, Ana Patrícia Botín.

Sob sua gestão, o Santander Brasil se tornou a operação mais rentável de todo o grupo espanhol. Além disso, os resultados do banco se destacaram em relação aos outros bancos brasileiros por diversos trimestres com Rial à frente.

“Em nossa visão, o executivo era um pilar importante para sustentar o processo de transformação da companhia, devido a seu histórico de execução, gestão focada na redução de custos e credibilidade com o mercado. Sua saída pode ser vista pelos investidores como um alerta de mais riscos à frente”, comenta a XP.

Rial foi escolhido para o comando da Americanas em um momento bastante complicado para todo o setor de varejo no Brasil.

Por que há crise no varejo?
Em um período de inflação elevada e acima da meta do Banco Central (BC), o poder de compra da população é comprometido. Simultaneamente, para frear a pressão inflacionária, a medida do BC é elevar a Selic, taxa básica de juros, que hoje está em 13,75% ao ano.

Juros mais altos encarecem os processos de tomada de crédito e financiamento, impactando a força do consumo doméstico. Por serem empresas que dependem, sobretudo, do consumo doméstico, as varejistas enfrentam dificuldades em momentos de situação macroeconômica apertada.

Junto com as demais empresas do setor, a Americanas também sofria com o cenário. Rial, então, era visto como alguém que poderia recolocar a empresa em uma trajetória mais lucrativa, e sua saída frustra os acionistas.

A questão que fica — e que os especialistas estão tentando entender — é se as inconsistências na companhia vão refletir em todo o setor de varejo. No curtíssimo prazo, a resposta é sim: mesmo que o rombo seja nas contas da Americanas, outras importantes varejistas como Magazine Luiza e Via vivem um dia de forte desvalorização na bolsa, com suas ações despencando cerca de 10%.

Por g1

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