O ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou hoje contra a manutenção decretos estaduais e municipais que proíbem a realização de missas e cultos presenciais durante a pandemia de covid-19. Com o voto contrário do ministro Gilmar Mendes, relator do processo, ontem, o placar da Corte está em um a um. Ainda faltam nove votos.
Em sua defesa de mais de 1h, Nunes Marques, indicado à Corte no ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), atribuiu o aumento da transmissão do coronavírus a festas e bares e argumentou que as restrições devem ser proporcionais ao risco e que a liberdade religiosa é prevista constitucionalmente. O julgamento foi retomado às 14h20 da tarde de hoje.
“Sabemos onde essa doença está sendo diariamente transmitida, em festas, baladas e bares estão frequentemente lotados. As imagens estão ai para todos verem, sem distanciamento e sem máscara nenhuma. Não são nos cultos e nas missas que a pandemia ganhou força”, disse Kassio Nunes Marques, ministro do STF.
Segundo ele, o funcionamento dos templos religiosos é garantido pelo Artigo 5 da Constituição Federal. “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias”, declarou.
Ele fez uma comparação com a imprensa, cuja liberdade estaria garantida pelo mesmo artigo. “Poderia o prefeito determinar o fechamento dos jornais de sua cidade? Ou mesmo fechamento de telejornais que também necessitam de certa aglomeração para o seu adequado funcionamento?”, questionou.
Além disso, o ministro destacou uma notícia do jornal “O Globo”, que revelou, que no fim de semana, a maioria de prefeitos e governadores permitia a realização de cultos e missas presenciais. As celebrações ‘in loco’ eram autorizadas em 22 estados e em 19 capitais do Brasil. “A esmagadora maioria dos governadores e prefeitos fez o que se esperava deles: que agissem em cumprimento da Carta da República”, afirmou Nunes.
O voto de Nunes Marques já era esperado. No sábado (3), véspera da Páscoa, ele concedeu uma liminar permitindo cultos e missas mesmo contra decretos locais. Na decisão, ele estabeleceu as seguintes sugestões para funcionamento dos templos: 25% de lotação, distanciamento entre assentos, distanciamento de 1,5 m entre pessoas, janelas abertas, obrigatoriedade de máscaras, disponibilização de álcool em gel e medição de temperatura.
A ação, promovida pelo PSD e por uma associação de pastores, contesta a proibição de atividades religiosas presenciais em São Paulo e foi rejeitada pelo próprio Mendes em ordem liminar na última segunda (5). A tendência da corte é reafirmar que os templos devem obedecer, sim, as determinações de governadores e prefeitos para baixar decretos com medidas restritivas para combater a pandemia.
Gilmar votou contra liberação
Relator, Gilmar foi o primeiro a votar ontem. Em um voto de 2h, ele sustentou que a restrição aos locais não interfere na liberdade religiosa, fez reiterada defesa a medidas de distanciamento, citando exemplos internacionais, e criticou duras críticas ao advogado-geral da União, André Mendonça, e ao procurador-geral da República, Augusto Aras, chamando a postura contrária de “negacionismo”.
“A restrição temporária de frequentar eventos religiosos públicos traduz ou promove dissimuladamente alguma religião? A interdição de templos e edifícios acarretam coercitiva condução de indivíduos para esta ou aquela visão religiosa? A resposta me parece a de ser definitivamente negativa”, destacou Gilmar Mendes, ministro do STF.
No voto, ele ainda debochou de Mendonça e Aras, cotados para serem indicados ao STF em julho. Ambos defenderam a abertura de templos religiosos mesmo com leis locais para mantê-los fechados.
“Quando sua excelência fala dos problemas nos transportes no Brasil, e fala do problema do transporte aéreo, eu poderia ter entendido que sua excelência teria vindo agora para a tribuna do Supremo de uma viagem a Marte. Fui verificar, o senhor era ministro da Justiça até recentemente e [tinha] responsabilidade de propor medidas”, declarou Gilmar Mendes a André Mendonça.
Ele afirmou também que Aras não agiu de acordo com sua condição de procurador-geral da República. Segundo Mendes, o Ministério Público atuou “com deslealdade processual” e “para aderir aos interesses do autor, que beiram a litigância de má-fé”.
Mendonça e Aras são cotados para serem indicados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para ocupar uma vaga no Supremo em julho, quando o ministro Marco Aurélio se aposentará.
Em sua manifestação, Mendonça disse que medidas restritivas, como o toque de recolher, são “próprias de Estados autoritários” e fez diversas referências bíblicas, como todos os outros advogados que defenderam a reabertura dos templos.
“Autoriza-se rasgar a Constituição, se autoriza prender um vendedor ambulante e espancá-lo no meio da rua? Por que o pobre não pode vender bens de primeira necessidade? Por que uma pessoa não pode praticar esporte na praia e seguir para sua casa? Até que ponto medidas abusivas? Até quando guardas municipais agredindo trabalhadores?”, afirmou André Mendonça, advogado-geral da União.