Quando iniciei a vida de estudante, aprendi que a chamada era a primeira tarefa. Hoje, na maioria das escolas, essa rotina se repete. Só depois da confirmação da presença de cada aluno, a aula começava. Agora é claro, às vezes, alguns poucos sempre estavam na sala, mas não estavam presentes (Risos). Olha mesmo repetindo os nomes alguns levavam mesmo falta. Só hoje alcanço a profunda importância filosófica desse ato. Antes de dar início à aula, os professores queriam saber se estávamos ali, se habitávamos o tempo presente ou melhor se estávamos atentos. Quem me conhece e me acompanha, já deve ter percebido a importância que dou ao valor da vida “no seu instante vivido”, isto é, a vida no presente, em detrimento ao passado e ao futuro. E não é apenas devido ao capricho de um vitalismo, é porque é uma necessidade. E uma necessidade urgente a de viver e ser útil a uma causa.
E não é alarmismo, afinal, quais são os grandes males existenciais desta “modernidade”? A ansiedade e a depressão. A observação da compreensão: a depressão é o excesso do passado e a ansiedade é o excesso de futuro. É preciso que se compreenda que o passado e o futuro não existem no mundo real, eles só fazem sentido na nossa mente — são tempos da alma — e o seu “exercício” só é possível em sacrifício ao presente. A certeza, o apego ao passado e futuro negligencia e anula o presente, logo, anula a vida sem muitas variáveis.
O personagem da história o Agostinho de Hipona — filósofo que foi santificado pela Igreja Católica, o Santo Agostinho — ciente desse mal tentou alertar para o caráter ilusório do tempo. Na nossa cabeça, o tempo vai para frente e vai para trás e por vezes “para” por conta da inutilidade das nossas ações em algum momento. Mas é só dentro da nossa cabeça que é assim. E essa distensão dissipa da nossa existência em tempos que não são os nossos. E vem a ser prejudicial porque tira o foco do único tempo que temos: o presente.
Agostinho, na sua obra Confissões, faz uma análise: o passado é a reconstrução sempre de uma memória no presente. Agora não exatamente como aconteceu — é uma lembrança presentificada pelo que você é hoje. O futuro seja qual for é a presentificação do que ainda não foi vivido. Algo que não existe e que poderá nunca existir de fato. Em que venha acontecer, não será como imaginado na maioria das vezes. Porque uma eventual antecipação é presentificada pelo que você é no presente ou hoje, e não pelo que você será amanhã mesmo que se tenha a sensação de alcançar algo diferente. O recuo e o avanço no tempo enfraquece e dissolve o presente, a vida vivida de fato. E esse “ausentar-se” do tempo presente é perigoso. Há pessoas tão viciadas na espera da felicidade que quando ela chega, não se dá conta. Porque não estão lá no instante da chegada para recebê-la parece engraçado, mas é perigoso a não percepção.
Quem é o presente? De quem é o presente?
Depois de esclarecido o passado e o futuro, resta o presente. Quem é ele? Para começar é único tempo que é realmente nosso de fato. O presente é a vida tal como ela acontece, com as suas alegrias e as suas tristezas, dúvidas e atitudes. É esse exato instante em que você lê este texto. E por que é tão rejeitado? Porque queremos estar no controle da vida e o presente é terreno árido para os controladores. Porque é sempre uma surpresa, porque pode ser cru e sem sentido, porque a verdade pode ser muito dura e, principalmente, pela sua fuga desordenada ou rapidez com que se quer as coisas.
O agora da vida escapa por entre os nossos dedos, porque quando você tenta segurar o próximo minuto, ele já passou… e como passou… A situação é angustiante e daí se olha para o céu em busca de alívio. E qual é o conjunto tentador que oferece a maioria das religiões? O paraíso + a eternidade. O paraíso, independentemente da religião, só tem delícias e maravilhas nada de ruim. É o “tudo ficará bem”! E o que é a eternidade? É um tempo em que tudo permanece. Repare na maravilha ou bênção: é um presente que não vira passado.
O presente é difícil
Como não ser atraído pelo futuro? Caminhar sem rumo sobre o que faríamos se ganhássemos na loteria é um exercício irresistível. “Eu dava uma volta ao mundo, sempre em hotéis luxuosos e andaria em carrões”; “compraria vários imóveis e comprava uma mansão e colocava dentro tudo de bom”. O prazer de imaginar uma linda casa, com conforto e harmonia é muito melhor do que encarar a dúvida de que quem está ao meu lado não encaixa nesse sonho.
Tem momentos na vida — quando o presente é incerto, por exemplo — é normal e legítimo buscar um pouco de fôlego no futuro idealizado. Você pedi uma fuga e o conforto do “deixa-me sonhar — dá-me prazer e é de graça!”. Eu deixo. Você pode covardemente se refugiar no futuro e isso enquanto houver “amanhã”. É um recurso, é humano — porém não pode ser sempre aceitável. Sonhar e sonhar sempre acordado é o de menos, o problema mesmo é quando se olha para o futuro e o sentimento é de tensão, medo e preocupação ou até mesmo de desolação. Olha aí a ansiedade.
É importante e preciso que se diga que a ansiedade é um estado emocional útil e normal para as pessoas. O grande problema é quando ele é excessivo ou crônico; e se manifesta sem razão aparente. E atenção que não é apenas um mal psicológico, é também físico pois reflete em tudo que possamos vir a fazer. Para além do medo de algo ruim que existe apenas na sua mente e do sofrimento antecipado, há perturbações do sono (dificuldade em adormecer), dores, tensão física e taquicardia. Um quadro que agride também o coração, o órgão muscular pois o sentimento já anda abalado.
Já há estudos da psicologia cognitiva que apontam que a depressão está associada a percepção da realidade em meio ao tempo. O mal está associado a uma vida que estacionou no passado. O que já foi vivido funciona como uma âncora que impede a marcha para a frente e por isso barra qualquer evolução. Como se combate a sensação de perda, arrependimento, remorso? Como se cura de um grande desgosto ou do que Nietzsche chama de má consciência? Todos nós em algum momento passamos por esses tormentos, eles fazem parte da nossa natureza. A doença começa quando esse sentimento se transforma em apatia. Fica o alerta, o contrário da depressão não é alegria, é vitalidade. E só para fixar, à semelhança da ansiedade, a depressão também afeta o físico: o coração, as articulações e o sistema imunológico sofrem quando a melancolia se instaura.
A vida como ela é
Encarar o presente sem muletas — falsas ilusões, meias verdades, esperanças vãs e traumas — exige uma virtude escassa: a coragem para a verdade. Essa virtude tem para os gregos um nome específico: “parresia”, ou seja, franqueza. Resgatada por Michel Foucault, “é a coragem da verdade daquele que fala e corre o risco de dizer; e a coragem de receber a verdade que se escuta”. Está claro porque a parresia não é popular e dificilmente será. Olhar o presente para ter sempre coragem de mudar e de enfrentar as diversidades, encaixar — e até amar — a vida verdadeira, tal como ela se apresenta — não é e nunca foi um caminho fácil.
Ao invés de se apequenar ou se esconder via o passado e encenar as incógnitas do futuro, olhe para o chão que você pisa. Faça as pazes com o dia de hoje e intensifique o que o presente te oferece. Faça uma reflexão do uso das ferramentas que você possui para resolver os problemas de hoje. No final de tudo, qual é a busca? A felicidade. Ela é uma vibração, uma sensação de plenitude momentânea, um prazer intenso em estar vivo… um estado que só habita este momento, este tempo presente.
Faremos em outra publicação uma análise a respeito dos Governos que se iniciam tanto Estadual como Federal e dos Governos que terminaram no ultimo 31 de dezembro de 2022 para que de forma objetiva tenhamos no presente o que viver pensando no futuro sem esquecer o passado.