José Adilson Rodrigues dos Santos, mais conhecido como Maguila, morreu nesta quinta-feira, dia 24 de outubro de 2024, em São Paulo, aos 66 anos. O principal peso-pesado e uma das direitas mais pesadas do boxe brasileiro sofria de encefalopatia traumática crônica (ETC), diagnosticada em 2013.
Segundo o Dr. Renato Anghinah, professor livre docente da Faculdade de Medicina da USP e médico do ex-lutador, a doença o acompanhava desde antes dos 50 anos. Também conhecida como “demência pugilística” por ter sido descoberta inicialmente em 1928 em boxeadores, a ETC vem sendo estudada mais profundamente nos últimos 25 anos, devido à alta incidência em outros esportes, principalmente no futebol americano.
-Pra algumas pessoas, pode aparecer clinicamente com alterações comportamentais, e pra outras alterações na memória como se fosse Alzheimer, por isso é muito confundida com a doença de Alzheimer. Foi o que aconteceu com o Maguila, quando eu fui vê-lo ele obviamente tinha muitas pancadas na cabeça pela atividade profissional que ele exerceu por ser pugilista, então ele já tinha a condição primeira pra isso, ele tinha algumas características, outras que não se enquadravam em Alzheimer, apesar de o diagnóstico inicial ser esse, depois confirmou clinicamente que não era. Isso faz uns 10 anos, ele estava num quadro bem delicado do ponto de vista de saúde e a gente fica feliz no sentido de que ele pôde ter a chance de um diagnostico modificado e ter uma sobrevida com uma boa qualidade de vida de mais nove, 10 anos – comentou Anghinah.
O médico relata que os primeiros efeitos da ETC sobre Maguila foram no seu temperamento, o que causou estranhamento na família.
-Ele sempre foi uma pessoa muito doce segundo a família, eu não o conhecia antes daquele momento, e aí ele passou a ter alguns comportamentos um pouco mais agressivos. Depois de tratado, ele ficou bem, não teve mais esses comportamentos que não eram característicos dele. A família não reconhecia como uma coisa própria do Maguila, ele sempre foi uma pessoa muito doce e até generosa no sentido de cativar as pessoas, era um contador de histórias, então imagina uma pessoa dessas de repente ficar agressiva, ter mudança de comportamento. E ele se enquadrava exatamente nesse padrão da encefalopatia traumática crônica das pessoas com menos de 50 anos, com alterações muito mais de humor, de comportamento do que de memória.
As lembranças do médico são de um gigante inteligente e carismático, que contava muito bem as histórias de sua vida. Dentre as que mais o marcaram, está a forma como ele descrevia sua icônica luta contra Evander Holyfield em 1989.
-Eu pedia para ele repetir essa história, do Holyfield, quando ele foi nocauteado pelo Holyfield, inclusive do ponto de vista neurológico é uma coisa dantesca, já que ele convulsiona depois da luta, mas ele sempre falou que respeitou o Holyfield porque o Maguila era um cara muito grande, alto, forte, no auge da forma dele e ele falou que foi com uma estratégia de ir pra cima, bater pra tentar ver se resolvia, e falou que batia que o Holyfield nem se mexia, era como se estivesse batendo numa parede! E é engraçado ele contando isso, e o respeito que ele tinha, nenhum rancor por ter perdido a luta, uma pessoa que reconheceu a derrota com mérito do adversário. Mas o jeito de contar história era sempre gostoso de ouvir – diz.
Alguns anos antes de morrer, o lendário pugilista consentiu em doar seu cérebro à Universidade de São Paulo (USP), com o aval de sua família, para contribuir com a pesquisa sobre a encefalopatia traumática crônica e suas consequências. O mesmo movimento foi feito pela família do ex-capitão da Seleção Brasileira de futebol Bellini após sua morte. O jogador campeão da Copa do Mundo de 1958 também sofria com os efeitos da ETC. Outro que teve seu cérebro doado para pesquisas após sua morte foi Éder Jofre, o “Galinho de Ouro”, lenda do boxe brasileiro e campeão mundial de duas categorias de peso. Ele morreu em 2022.
Contudo, Anghinah adverte que ainda há outros passos necessários antes de confirmar a doação.
-Isso é uma manifestação que ele realmente teve, é verdadeiro (sobre doar cérebro). Só que no Brasil a burocracia é um pouco complexa em relação a isso e a gente tem que respeitar a família no sentido das decisões que a família quer tomar nesse momento. Porque em alguns países, se você doa qualquer coisa, isso serve pra doação de órgãos, inclusive pra pessoas vivas também, que vão ser transplantadas, é uma oportunidade pra falar nisso. Mas depois da decisão final, mesmo naquele momento muito grande de dor, é a família doar, a família dar autorização pra doação ser efetivada. Então nós não sabemos, de uma semana pra cá, as conversas íntimas, da intimidade da família pode ser uma coisa diferente do que ele manifestou dois, três anos atrás, eventualmente num momento mais próximo do que aconteceu. Então vai ter que respeitar e entender depois o que vai ser a decisão da família – explicou.