A frase que dá título a este texto não é estratégia sensacionalista para ganhar seu clique, tampouco “achismo” como os compartilhados em correntes de WhatsApp. Ela foi dita em entrevista a Universa pelo pesquisador americano Melvin Konner, formado em algumas das melhores universidades dos Estados Unidos, entre elas Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), diplomado em medicina, neurociência, antropologia e bioantropologia.
Professor da Universidade Emory, no estado da Geórgia, Konner tem como uma de suas linhas de pesquisa as relações entre homens e mulheres, principalmente no que diz respeito à dinâmica de poder, envolvendo de genética à história e evolução humana — ele frisa, porém, que limita seu estudo às pessoas cisgênero.
O pesquisador lançou em 2015 o livro “Women After All” (“mulheres depois de tudo”, em tradução livre), que chega agora à Europa e aguarda interesse para publicação no Brasil. Na obra, afirma que mulheres são superiores aos homens em vários quesitos e, à medida que passam a ocupar mais espaços de poder, tendem a tornar o mundo um lugar menos violento e mais inclusivo.
“No livro, aponto que as mulheres, em geral, são menos violentas, mais inclusivas, menos agressivas no estilo de liderança e mais preocupadas com as crianças e com o planeta. Também cometem menos crimes sexuais. Há estudos mostrando que governam com mais transparência do que os homens.”
Ao mesmo tempo, a supremacia masculina está em declínio, já que as características principais do status quo mantido por homens — como agressividade, violência e belicismo — estão perdendo sentido. Mesmo as guerras, diz Konner, hoje se dão por meio principalmente de tecnologia e não de força.
Segundo o pesquisador, num futuro próximo, as mulheres poderão, inclusive, se reproduzir sem a participação masculina. “Mas, felizmente para nós, a maioria das mulheres parece querer nos manter por perto. Os machos se desenvolveram originalmente para aumentar a variedade genética da espécie e ainda servimos a esse propósito, entre outros”, brinca Konner.
UNIVERSA – Por que você afirma que a supremacia masculina está chegando ao fim?
Melvin Konner – Em meu livro, traço uma longa trajetória para demonstrar isso. De um passado no qual homens e mulheres eram relativamente iguais, passando por 10 ou 12 mil anos de “civilizações” agrícolas que permitiram conspirações masculinas para guerrear constantemente contra sociedades vizinhas e, consequentemente, reprimir as mulheres em casa, até a Revolução Industrial, quando os primeiros lampejos dos direitos das mulheres voltaram. Em meados de 1800, surgiram movimentos pelo direito de voto das mulheres. No início do século 20, as mulheres votavam em muitos países e participavam da vida pública. Hoje, as vemos assumindo funções de liderança em negócios, governos, organizações filantrópicas e muitos outros campos.
O mundo de hoje exige menos características masculinas para ocupar a liderança?
Uma das principais razões para o declínio da supremacia masculina é que as características gerais dos homens — agressividade física e força da parte superior do corpo — que nos permitiam dominar as pessoas não são mais tão necessárias quanto antes. Lutas e carregamento de peso serão cada vez mais realizados por máquinas, que tanto mulheres quanto homens podem controlar.
A “virtude” dos homens — a palavra tem a mesma raiz de “virilidade” — costumava ser inseparável de seu desempenho nas guerras. Nas últimas gerações, a guerra foi menos comum e mais mecanizada. Na medida em que as máquinas, a robótica e a tecnologia se tornam cada vez mais importantes, tanto a agressividade física quanto a força da parte superior do corpo dos homens serão menos necessárias. É uma realidade tanto na indústria quanto na guerra.
Isso significa que haverá uma supremacia feminina?
Não estou dizendo que as mulheres serão mais influentes, apenas que se torna cada vez menos possível para os homens dominarem. Elas estão ocupando seu lugar de direito pela primeira vez. Estudos mostram que as mulheres têm estilos de liderança diferentes. Por exemplo: cientistas políticos compararam os prefeitos de 120 cidades dos Estados Unidos, sendo 65 mulheres e 55 homens. Descobriu-se que as mulheres governavam com mais transparência do que os homens e abriam mais espaço para contribuições daqueles abaixo delas na hierarquia.
Que resultados positivos poderíamos ter, globalmente, com a igualdade de poder entre os gêneros?
Acredito que o mundo seria mais seguro, menos propenso a entrar em guerra por conflito de egos, menos rigidamente hierárquico, mais preocupado com o meio ambiente, a educação e a população mais pobre. Mas não idealizo demais esse futuro. As mulheres também são humanas. Isso inclui egoísmo, raiva, ciúme, ganância, exploração e outras emoções e ações indesejáveis.
Estou prevendo uma melhoria significativa à medida que as mulheres alcançam o mesmo nível de poder dos homens. Acho que este futuro mundo será mais seguro e melhor para meus netos.
Há diferenças biológicas entre homens e mulheres que comprovam sua teoria?
Há mais semelhanças. Há não muito tempo atrás, vários homens diziam: “Mulheres nunca fariam isso. Eles não têm a inteligência, a força, a resistência, a ambição e a capacidade competitiva”. Adivinhe? Elas têm. Quando olhamos para os cérebros de mulheres e homens, eles são semelhantes e é por isso que atuam de forma parecida em quase todos os estudos psicológicos disponíveis, desde o quociente de inteligência até a habilidade musical. Mas há diferenças.
Em todos os países, pelo menos 90% dos homicídios e outros atos violentos graves são cometidos por homens. E os crimes sexuais, como os que o movimento Me Too trouxe à tona, também são praticados de forma esmagadora por homens, mesmo quando as vítimas são homens.
Você aponta que as diferenças entre os cromossomos sexuais — XY para masculino e XX para feminino — podem ser responsáveis pela superioridade da mulher em determinadas situações. Poderia explicar?
Nós, homens, temos expectativa de vida mais curta e maior mortalidade em todas as idades. O gene do cromossomo Y suprime os órgãos femininos de um feto, enquanto cria os testículos que produzirão mudanças hormonais importantes. Essa é a fonte de hormônios como a testosterona, que tem relação com aumento da agressividade. Enquanto isso, perdemos uma habilidade notável que as mulheres têm: o potencial de criar uma nova vida dentro do próprio corpo.
Você cita a possibilidade de as mulheres reproduzirem entre si no futuro. Como isso aconteceria?
Parece perfeitamente possível para daqui poucas décadas de progresso na área da genética. Existem desafios científicos a superar, mas acredito que será possível combinar genes de duas mulheres. Como elas têm apenas cromossomos X, teriam apenas meninas. Os genes de dois homens também poderiam ser combinados, mas eles teriam que encontrar um útero ou criar um artificial, o que não é tarefa fácil. Mas, felizmente para nós, a maioria das mulheres parece querer nos manter por perto. Os machos se desenvolveram originalmente para aumentar a variedade genética da espécie e ainda servimos a esse propósito, entre outros.
Desde o lançamento de seu livro em 2015, você diria que houve exemplos de acontecimentos comprovando sua teoria?
As mulheres alcançaram importantes posições de liderança. Hillary Clinton foi derrotada por Donald Trump, um exemplo de reação que acompanha qualquer progresso, mas Angela Merkel, chanceler alemã e mais antiga líder europeia, está terminando seu mandato com grande aclamação. Enquanto isso, Ursula von der Leyen, uma médica, tornou-se presidente da Comissão Europeia; Christine Lagarde, advogada, tornou-se chefe do Banco Central Europeu depois de administrar o Fundo Monetário Internacional; Kristalina Georgieva, uma economista ambiental, tornou-se chefe do Banco Mundial. Uma grande proporção das finanças do mundo está nas mãos de mulheres competentes.
Reveria algo que escreveu?
Eu seria mais cuidadoso ao dizer que “mulheres são superiores aos homens”, embora eu tenha ponderado isso ao afirmar que “[são superiores] de várias maneiras que se mostrarão importantes no futuro”. As mulheres são menos violentas, mais inclusivas, menos agressivas no estilo de liderança e mais preocupadas com as crianças e com o planeta. Também cometem menos crimes sexuais. Talvez eu devesse apenas ter mostrado esses fatos e deixar os leitores tirarem suas próprias conclusões.
Você recebeu mensagens de homens furiosos após lançar o livro. O que eles dizem?
É óbvio que alguns homens ficam muito inseguros com a ideia de que as mulheres podem ser iguais, que dirá superiores, e de maneira tipicamente masculina sua insegurança os deixa muito irritados. Porém, muito mais importantes para mim foram as mensagens de mulheres que viram esperança e otimismo no meu relato. Uma das mulheres que me agradeceu calorosamente por escrever o livro decidiu se candidatar e agora é vereadora no Arizona. Além disso, nunca esquecerei as mensagens positivas que recebi de pais de meninas.
Você afirma que alguns países, incluindo o Brasil, tiveram os piores resultados com a pandemia porque os líderes são “hipermasculinos”, uma referência ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Qual o perigo dessa “hipermasculinidade” para o nosso país?
Como estrangeiro, seria errado criticar o presidente Bolsonaro. As características que eu classificaria como “hipermasculinas” em relação à pandemia incluiriam excesso de confiança, não ouvir os cientistas, gabar-se, ser insensível e praticar bullying verbal. Donald Trump [ex-presidente dos EUA] tinha isso e levou a epidemia aqui a ser uma das piores do mundo. Deixo para os leitores brasileiros julgarem se tiveram um líder semelhante.