Um total de 1,9 milhão de doses da vacina AstraZeneca contra a covid-19 foi incinerado no ano passado porque não foi distribuído aos estados antes do fim do prazo de validade pelo Ministério da Saúde. A constatação foi feita em auditoria aprovada no último dia 1º pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
O Brasil recebeu 2,18 milhões de doses doadas pelo governo dos EUA por meio de uma cooperação internacional. Elas chegaram ao país no dia 21 de novembro de 2021, a menos de 40 dias do prazo de vencimento (que era em 31 de dezembro).
O que diz o TCU:
- O ministério aceitou a doação de 2.187.300 de doses de vacinas AstraZeneca “com prazo de validade bastante exíguo e sem prévia estratégia de utilização em tempo hábil”;
- Após chegarem, o governo ainda mandou amostra dos imunizantes para análise de qualidade, conforme recomendado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A autorização para uso ocorreu apenas no dia 10 de dezembro de 2021;
- Dessas vacinas, apenas 282 mil foram distribuídas às unidades da federação; outro 1,9 milhão não foi efetivado a tempo;
- O recebimento desconsiderou “o período que seria gasto para regularização das questões burocráticas e técnicas de tramitação e importação, bem como o tempo necessário para distribuição aos estados e a efetiva disponibilização”.
O recebimento desconsiderou “o período que seria gasto para regularização das questões burocráticas e técnicas de tramitação e importação, bem como o tempo necessário para distribuição aos estados e a efetiva disponibilização”.
Segundo o TCU, a falta de planejamento e cuidado levou ao vencimento e “descarte da quase totalidade dos imunizantes, gerando despesas de quase R$ 1 milhão, com transporte, desembaraço aduaneiro, armazenagem e incineração, sem trazer benefícios à população”.
À época, o governo publicou nota em que agradecia “a solidariedade norte-americana, reflexo esta dos intensos laços de amizade e cooperação entre os dois países”.
O então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, comemorou a doação no dia em que as vacinas desembarcaram no país.
O UOL tentou localizar Rosana Leite de Melo, ex-secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid-19 (Secovid), citada pelo TCU no documento, mas não conseguiu. Ela hoje é secretária-adjunta de Saúde de Campo Grande, mas não há nenhum contato no site da pasta da assessoria de imprensa.
Em resposta ao TCU, ela informou que, devido a atrasos na entrega e liberação da vacina, “o cenário no Brasil teria mudado consideravelmente com notável avanço da vacinação”. Isso teria acarretado o não uso das doses.
Afirmou ainda que “todos os esforços necessários para dar destinação para as vacinas foram realizados, tanto em território nacional, quanto para utilização com população de outros países”.
Para o TCU, porém, a decisão de aceitar os imunizantes tão perto dos vencimentos foi um erro, que deve ser ressarcido ao erário.
“Cabe registrar que as vacinas já não admitiam prorrogação da data de vencimento, uma vez que já possuíam certificado de extensão de validade nos Estados Unidos, de modo que a data de 31/12/2021 já resultava de prorrogação efetivada no país de origem.”Trecho de acórdão do TCU
No acórdão dos ministros do TCU no último dia 1º de março, o TCU fixou prazo de 15 dias para que os responsáveis apresentem defesa ou venham a ressarcir o erário em valor total de R$ 1 milhão.
Além disso, foram dados dez dias para que o Ministério da Saúde apresente informações sobre a quantidade de vacinas contra “covid-19 em estoque, data de validade, quantidade de produto já descartado, entre outras questões”.
A coluna mandou email para a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde pedindo dados sobre doses a vencer, mas ainda não recebeu retorno.
O UOL também procurou o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga para que ele comentasse a auditoria, mas ele não respondeu aos contatos.