Atualizada às 19h53
A despedida da arqueóloga Niède Guidon é marcada por muita comoção no Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato. O público teve acesso ao caixão por volta das 15h, quando o museu foi aberto. O sepultamento acontece na quinta-deira (5), às 9h, em seu jardim, a poucos metros do Museu do Homem Americano e sede da Fundham.
O velório se estende até meia noite, no auditório do museu e o público entra sem permissão de tirar fotos. O caixão tem duas bandeiras, uma da Fumdham e outra do Parque Serra da Capivara. O velório acontece ao som de cantora de ópera Maria Callas e músicas francesas, canções que a Niède gostava de ouvir. Após esse horário, o velório será restrito a pessoas mais próximas.
A população faz fila e pacientemente acompanham consternada o velório. Uma presença maciça de estudantes acompanham a despedida da arqueóloga.
A diretora dos museus, Rosa Trakalo, amiga de mais de 40 anos da Niède, disse que a arqueóloga levou essa região para o mundo e sempre pediu para preservar o parque.
“Ela era uma segunda mãe pra mim, não queria velório e tomara que não me puxe os cabelos lá de cima, mas as pessoas tem que se despedir”, disse Rosa Trakalo.
Momento marcante
Um dos momentos mais emocionantes foi a chegada das guariteiras, guardas e guias do Parque Nacional Serra da Capivara. Em filas, todos juntos, entraram no auditório do Museu do Homem Americano e fizeram um círculo ao redor do caixão onde se encontrava o corpo da arqueóloga Niède Guidon. Emocionados, alguns choravam ao se aproximar do caixão.
Júlio Filho, que trabalha no parque há 25 anos, destacou que o grande legado de Niède é a preservação da natureza, sua força e sinceridade.
“Ela teve oportunidade de morar na Itália e em outros países, mas decidiu morar aqui com a gente. Somos gratos a ela por levar força, garra, amor, sinceridade e da importância de preservar o Parque Serra da Capivara”, disse sob aplausos.
Pedro Paulo dos Santos Silva, 47, trabalha há 26 anos no parque, destacou que a arqueóloga mudou a vida da população e é lutar pela preservação do parque.
Marrian Rodrigues chorando falou no velório que a arqueóloga “sempre será um farol” e seguir-se o que ela defendia. “Vamos continuar fazendo o que ela nos ensinou, trabalhando duro, não tendo medo e protegendo o parque”, disse Marrian.
Sepultamento no dia do aniversário do Parque
No dia do aniversário de 46 anos do Parque Nacional Serra da Capivara, por coincidência do destino ou relação mística, Niède Guidon será sepultada. A cientista que revolucionou os estudos da ocupação humana, será enterrada amanhã, às 9h, em seu jardim, a poucos metros do Museu do Homem Americano e sede da Fundham.
O velório inicia às 15h no Museu, que por muitos anos foi sua morada.
O museu está fechado e sendo preparado para receber o público. Foram colocados tendas e cadeiras para receber o público.
Marrian Rodrigues, chefe do parque, confirmou que adiou os preparativos para o aniversário do parque.
A chefe do parque disse que Niède estava bem, mas ontem ela teve um mal-estar.
“Ela dorme cedo e quando ela acordou por volta de uma hora da manhã, ela se sentiu mal, quis levantar, tem as enfermeiras que ficam com ela, fez um gesto e partiu”.
“Sabemos que ela não queria que cancelasse, mas nós não estamos com condições de estar lá. Festejando, enquanto ela está sendo enterrada. E aí a gente adiou, provavelmente nós vamos fazer uma homenagem no sétimo dia, lá no parque, que é o lugar, o santuário dela, sua paixão”, disse Marrian.
Quem foi Niède Guidon
Niède Guidon foi uma das mais importantes arqueólogas da história brasileira e mundial. Ela realizou pesquisas arqueológicas no Piauí, sendo responsável pela descoberta de mais de 1.200 sítios pré-históricos e vestígios dos primeiros habitantes humanos do continente. Grande parte dessas descobertas ocorreu em escavações realizadas em abrigos rochosos naturais com pinturas rupestres, no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí — área declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1991. Desses sítios, mais de 600 contêm pinturas rupestres.
A teoria de Guidon sobre a chegada do homem às Américas rompeu com o consenso científico tradicional da arqueologia, amplamente dominado por pesquisadores norte-americanos, que defendem que os primeiros seres humanos teriam chegado ao continente há cerca de 14 mil anos, vindos da Ásia, atravessando o Estreito de Bering (entre a Sibéria e o Alasca) e migrando em direção ao sul.
Com base nas escavações no Piauí e nas datações realizadas na Serra da Capivara, Guidon propôs uma hipótese alternativa: os primeiros humanos teriam chegado às Américas vindos da África, há muito mais tempo do que se supunha. Segundo artigo publicado por ela em 2008, na revista da FAPESP, o material arqueológico resgatado até o início dos anos 2000 indicaria que o homem teria chegado à região há cerca de 100 mil anos.
Niède Guidon atuou por cinco décadas na região, sendo a principal responsável pela estruturação científica e institucional do parque. Foi fundadora e diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM) e nomeada como presidenta emérita da instituição.
Em reconhecimento à sua contribuição científica e cultural, Niède foi agraciada com diversos títulos e homenagens. Em 2018, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Também foi homenageada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) com o mesmo título — o mais importante concedido por uma universidade a personalidades que se destacam por sua contribuição à ciência, à cultura ou à humanidade.
Em 2024, Niède Guidon foi vencedora do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia — uma das maiores honrarias da pesquisa científica no Brasil — concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em parceria com a Marinha do Brasil.
