Analistas consultados pelo g1 concordam que o governo precisa reformar despesas obrigatórias para garantir previsibilidade nas contas públicas e evitar um “apagão” administrativo.
Essa medida também poderia conter um aumento excessivo da dívida pública, o que elevaria as taxas de juros cobradas pelos bancos.
Propostas de corte de gastos incluem desvincular despesas obrigatórias de aumentos de receita e do salário mínimo.
Enquanto o Congresso resiste a cortes de gastos, também pode aumentar o custo da conta de luz para o consumidor.
Dificuldades com arrecadação e a meta fiscal
A derrubada de decretos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que elevavam o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre crédito, câmbio, seguros e investimentos, pelo Congresso Nacional em 25 de junho, escancara a dificuldade do governo em equilibrar as contas públicas por meio de aumento de tributos.
Especialistas ouvidos pelo g1 são unânimes em afirmar que o governo precisa reformar despesas obrigatórias para manter a previsibilidade das contas públicas e evitar um “apagão”.
Essa estratégia também ajudaria a conter a disparada da dívida pública, o que resultaria em juros mais altos nas operações de crédito.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, em relatório divulgado em 24 de junho, apontou que apenas reformas estruturais podem salvar o Brasil de uma grave crise fiscal em 2027, com 2026 sendo um ano desafiador, mesmo que a meta fiscal deste ano seja cumprida.
Entenda o aumento do IOF: A equipe econômica anunciou no fim de maio um decreto presidencial que elevou o IOF em operações de crédito, câmbio, seguros e investimentos. Contudo, após pressão, parte dos atos foi revogada. A proposta sofreu forte resistência e foi barrada pelo Congresso, um fato inédito.
Sem o decreto do IOF, o governo necessita de um bloqueio adicional de gastos ou aumento de arrecadação para compensar a perda de R$ 10 bilhões em 2025, segundo o governo. Especialistas indicam que esse valor pode ser maior. A estratégia para atingir a meta fiscal deste ano ainda não foi anunciada pela área econômica.
Ameaça do “apagão” e o arcabouço fiscal
Especialistas preveem a paralisia da máquina pública nos próximos anos, o chamado “apagão”, devido à regra do arcabouço fiscal. Essa norma estabelece um teto de crescimento de 2,5% ao ano (acima da inflação) para a maioria das despesas orçamentárias.
Elevar a arrecadação não resolverá o problema sem cortes de gastos obrigatórios, que exigem reformas aprovadas pelo Congresso. Sem essas reformas, os gastos livres diminuirão progressivamente, zerando a partir de 2027.
Isso ocorre porque as despesas obrigatórias continuarão crescendo, mesmo com cortes aprovados no fim de 2024. Assim, as despesas obrigatórias consumirão o espaço para gastos livres do governo.
Economistas avaliam que, sem cortes de gastos, 2026 será um ano de fortes restrições para o governo, especialmente em ano eleitoral, com menos recursos para gastos livres.
Em 2027, o próprio governo admite a possibilidade de paralisação do Estado, sem recursos para investimentos, ações importantes e despesas básicas, o que exigiria uma mudança no arcabouço fiscal.
Propostas de especialistas e do Banco Mundial
A economista Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting, afirmou em maio que o governo deveria ter adotado medidas mais agressivas de contenção de despesas obrigatórias desde o início do mandato.
Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset Management e ex-secretário do Tesouro Nacional, declarou que a principal reforma fiscal necessária é a redução dos gastos obrigatórios para trazer previsibilidade às despesas e ao endividamento público.
Um estudo do Banco Mundial sugere um conjunto de propostas para as contas públicas voltarem ao azul, conter o endividamento e reduzir juros, além de promover uma agenda ambiental.
Medidas sugeridas pelo Banco Mundial incluem:
- Desvincular despesas obrigatórias de aumentos de receita e salário mínimo: Isso faria com que benefícios assistenciais e previdenciários crescessem menos que o salário mínimo, reduzindo gastos públicos.
- Desvincular despesas de saúde e educação da arrecadação: Gastos mínimos nesses setores não subiriam mais conforme a arrecadação, o que poderia gerar perdas bilionárias.
- Reforma administrativa: Proposta inclui redução de 20% nos salários iniciais, prazos maiores para progressão na carreira, ajustes em contratações e salários de servidores (apenas inflação), e redução do número de carreiras.
- Nova reforma da previdência e assistência social: Sugere valor mínimo de aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição, valor inferior para o BPC, consolidação do BPC com pensões rurais e eliminação de diferenças na idade de aposentadoria.
- Maior fiscalização do Bolsa Família: Para evitar que moradores do mesmo domicílio recebam múltiplos benefícios.
- Reforma do seguro-desemprego e abono salarial: Uso de contas do FGTS para assistência ao desemprego e direcionamento do abono salarial para famílias de baixa renda.
- Ampliar a base de contribuintes do Imposto de Renda: O contrário da proposta do governo de isentar até R$ 5 mil. Sugere reduzir isenções para os mais ricos, taxar lucros e dividendos, e aumentar a alíquota para rendas mais altas.
Aumento na conta de luz
O Congresso Nacional também pode impactar o consumidor com o aumento do custo da conta de luz. Na semana passada, o Legislativo derrubou parte dos vetos presidenciais a um projeto que visava estimular a geração de energia eólica offshore.
A derrubada de vetos em “jabutis elétricos” (artigos sem relação com o tema original da lei inseridos durante a tramitação) será repassada para a conta de luz.
Estimativas do setor elétrico indicam um aumento de 3,5% na conta de luz para os consumidores, com um custo total de R$ 195 bilhões até 2050. A equipe técnica do governo calcula um valor ainda maior, de R$ 525 bilhões.