Sistema de Degelo e Diário de Bordo
O ex-auxiliar de manutenção da companhia declarou, em entrevista exclusiva ao g1, que o piloto que utilizou a aeronave na noite anterior ao acidente relatou problemas com o sistema de degelo à equipe de manutenção. A falha, que impedia a decolagem para Cascavel (PR) na manhã seguinte, não foi registrada no TLB, um livro que documenta ocorrências mecânicas essenciais e é obrigatório na aviação comercial.
Sem o registro formal, a liderança do hangar ignorou o problema na madrugada. O líder do turno teria dito que, se o comandante não reportou em livro, não havia pane na aeronave. Segundo o ex-funcionário, essa era uma prática comum diante da pressão da diretoria para evitar que aeronaves ficassem paradas para manutenção.
O Regulamento Brasileiro da Aviação Civil exige o pleno funcionamento do sistema de degelo para voos em regiões com previsão de formação de gelo, como no trajeto do voo 2283 da Voepass.
Investigações e Relatos
Informações das caixas-pretas indicam que o botão de airframe de-icing (sistema de degelo) do ATR 72-500 foi acionado três vezes durante o voo que culminou na queda. Carlos Eduardo Palhares Machado, diretor do Instituto Nacional de Criminalística, afirmou que o provável mau funcionamento desse dispositivo é um fator relevante para a causa do acidente.
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) indicou em seu relatório preliminar que as caixas-pretas registraram uma conversa entre os pilotos mencionando uma falha no sistema de degelo. Especialistas explicam que o acúmulo de gelo nas asas altera o peso, a aerodinâmica e a sustentação da aeronave.
O g1 apurou que a Polícia Federal já tem conhecimento da omissão da falha no diário de bordo e da decisão de ignorá-la pela empresa. A PF investiga eventual crime na tragédia, buscando entender as condutas que podem ter contribuído para o acidente.
O delegado-chefe responsável pela investigação confirmou que a PF sabe mecanicamente o que causou a queda, mas que outros fatores ainda estão sob análise.
Outros Problemas na Aeronave
O ex-funcionário também mencionou que, na madrugada do acidente, a equipe de manutenção estava reduzida em Ribeirão Preto, com mecânicos deslocados para agilizar a liberação de outra aeronave. Essa situação sobrecarregou a equipe responsável pelos voos regulares.
Ele explicou que a empresa utilizava frequentemente a ação corretiva retardada (ACR), um procedimento permitido que adiava manutenções para evitar cancelamentos de voos. No entanto, a manutenção era muitas vezes deixada para o último momento, perto do vencimento do prazo da ACR.
A aeronave, apelidada de “Papa Bravo”, já havia apresentado outros problemas, como um incidente de “tail-strike” (atingir o solo com a cauda) e falhas no sistema de despressurização, que geraram apreensão na tripulação. Apesar das reclamações, a empresa, segundo o ex-funcionário, evitava parar a aeronave.
Posicionamento da Voepass e Anac
A Voepass emitiu nota afirmando que sempre priorizou a segurança e que, em mais de 30 anos de história, nunca havia tido um desastre aéreo. A empresa se solidarizou com as famílias das vítimas e informou que tem atuado de forma transparente com as autoridades, colaborando com as investigações e buscando a melhoria contínua em segurança.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) informou que acompanha os desdobramentos das investigações e avalia o desempenho das companhias aéreas por meio de dados e auditorias. A Anac declarou que a aeronave envolvida no acidente possuía condições de operação e documentação de navegabilidade válidas, e que a tripulação estava devidamente licenciada.