Desde muito cedo percebi que tive pouquíssimo contato com a cultura e história afro-colonial do Piauí durante a minha educação. Isto ficou mais evidente quando me mudei para São Paulo em 2016, e conheci o Museu Afro, onde tive um contato mais profundo e consciente sobre a época da escravidão no Brasil.
Esta primeira visita ao museu me gerou bastante incomodo. Parecia que eu tinha passado 26 anos sem saber, com detalhes, o que havia realmente ocorrido, lembrei das aulas de história onde se falava das crenças, da história e da desigualdade de forma muito sucinta e rasa, onde não se oferecia oportunidade de criticar o que houve na época.
Depois presenciei outros movimentos culturais, workshops promovidos pela prefeitura, governo e SESCs de São Paulo, onde eu ia percebendo cada vez mais que eu fui distanciado dessa cultura, não por minha escolha, não por falta de oportunidade, mas parece que havia uma carência, falta de consciência ou falta de preocupação em contar essas histórias na educação teresinense. Existia um vazio.
Em 2025, tive a oportunidade de ler A voz da Esperança Garcia, e ao final percebi: “era este quadrinho que eu gostaria de ter lido quando era mais jovem”.
É uma obra prima! Autêntica, recheada de referências, com muito cuidado em contar a história da Esperança Garcia, onde na apresentação foi feita por João P. Luiz, começa:
“Quando imaginei escrever o roteiro de “A Voz da Esperança Garcia”, foi para minha mãe ler, uma senhora que foi até a quarta série do ensino fundamental. (…). A minha idéia sempre foi colocar a história de uma das mulheres mais importantes do Piauí para qualquer pessoa”.
A Esperança Garcia foi uma escravizada que viveu em meados do século 18 no Piauí, onde se sabe muito pouco sobre sua história, entretanto ela fez uma marco histórico em escrever uma carta direcionada para o governador da província denunciando os maus-tratos que sofria constantemente e solicitando providências.
Trata-se de um registro histórico e literário. Considerado um dos primeiros textos afro-brasileiros de que se tem conhecimento. É considerada uma petição pública, e por causa dela, a OAB reconheceu ela como a primeira advogada do país.
O quadrinho
Possui uma estética original no traço e na composição do ambiente, onde você é carregado para o sofrimento que a Esperança vai passar.
Apresenta a relação dos senhores com os escravizados, e a solidariedade que existia entre os povos originários e os afro-brasileiros. Além de explorar o sincretismo religioso, com o catolicismo e as religiões de matriz africana.
A cada capítulo você entra em contato com símbolos adinkras, que são símbolos africanos que fazem parte da cultura Ashanti e são representados em formas geométricas.
As adinkras é uma tecnologia ancestral que conta história e transmite conhecimentos tradicionais, é facilmente encontrada em diversos portões de ferro ou grades, e também é considerada um símbolo de resistência imperceptível para maioria até hoje.
Sugiro você pesquisar mais sobre, vale a pena conferir. Depois de conhecer, você começa a reparar nas várias adinkras que adornam Teresina.
O quadrinho é fruto de uma longa e extensa pesquisa sobre a cultura afro-piauiense no tempo da colonização, sendo uma ótima ferramenta para discussão e reflexão de temas como a desigualdade, misoginia, discriminação, racismo, preconceito, machismo e entre outros.
Deixo meu convite a você para ler está incrível obra piauiense, e desejo que surjam novas obras que contem mais histórias sobre o passado do nosso estado que precisam ser desvendadas.
Texto revisado por Auryo Jhota